segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Resignação

Minha mãezinha leu o post anterior (aqui) e perguntou: "Como assim? O que antes era uma concentração preocupante, agora não é mais? O que significa isso?" Muito esperta minha mãe. 

Creio eu que a adoção pelos Guidelines norte-americanos de critérios menos rígidos para análise de atos de concentração significa, sim, resignação. Não é por outra razão que a imagem que escolhi para ilustrar esse blog é a de um homenzinho tentando colocar uma coleira num poderoso gorila... Mas posso pensar em uma explicação mais elaborada (embora referida a um horionte temporal muito mais dilatado).

Importante distinguir entre concentração técnica e econômica. Ao longo de décadas, os engenheiros concebem máquinas cada vez mais produtivas, que, em geral, exigem escalas mínimas de produção maiores. Decorre daí uma possível tendência à concentração técnica: sempre que a taxa de crescimento das escalas de produção for maior do que a taxa de crescimento de um determinado mercado, "caberá" um número menor de fábricas operando com um grau aceitável de ociosidade.

Ou seja, independentemente da realização de fusões e aquisições, pode haver concentração técnica, que, de algum modo, está refletida nos índices de concentração que passam a ser aceitos como "normais" pelas autoridades de defesa da concorrência.

Mas tudo isso serve apenas como um blablabla alternativo à admissão da resignação. Serve também como pretexto para trazer o Cade para a discussão: E no Brasil, como ficamos?

Sim, a jurisprudência do Cade vem adotando - inadvertidamente, veremos - o critério norte-americano para avaliar atos de concentração no mercado brasileiro. Então, se mudou lá, deve mudar aqui, certo? Certo. Mas o critério norte-americano é inadequado para o caso brasileiro por quê? Porque o tamanho das duas economias é muito distinto, de forma que a concentração técnica entre os irmãos do norte deve ser sempre muito menor do que a observada entre nós.

Em um mercado relevante qualquer nos EUA, as escalas de produção podem permitir a existência de 10 ou mais fábricas. No Brasil, se as fábricas tiverem escala e produtividade semelhantes (o que é desejável), podem caber apenas 1 ou 3 fábricas, por exemplo. Dada a técnica e dada a disparidade do tamanho dos respectivos mercados, é de se esperar que os mercados sejam menos concentrados lá do que cá.

Esperemos que a mudança dos critérios adotados nos Guidelines dê margem a uma reflexão mais aprofundada sobre os critérios legais e jurisprudenciais vigentes no Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Faça seu comentário. Anônimo ou não.