Autora: Leonor Cordovil *
Difícil não refletir após a leitura do artigo do Senhor Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, publicado na coluna Opinião, da Folha de São Paulo, do dia 25 de abril de 2010, sob o título “Um novo Cade para novos tempos”. Nele, o Senhor Ministro define o Projeto de Lei n. 06/09, que modifica a legislação brasileira de concorrência, como “oportunidade de eliminar um grande entrave à melhoria do ambiente de negócios do Brasil”. Linhas após, ele sustenta que “ao modernizar a legislação de defesa da concorrência, o Projeto de Lei n. 6/09 trará mais segurança para novos investimentos e tornará o Brasil apto a aproveitar oportunidades criadas pela crise econômica mundial.”
O maior mérito anunciado do projeto é a simplificação da estrutura administrativa da defesa da concorrência, eliminando degraus de análise e reduzindo opiniões que são, por vezes, repetitivas. Com isso, tornar-se-á possível, segundo crêem seus defensores, a aprovação de atos de concentração simples em 20 dias, sendo a expectativa de 180 dias para os atos mais complexos (palavras de Ministro, no mesmo artigo). A submissão dos atos passa a ser prévia, ou seja, as empresas nada podem fazer até que o ato seja finalmente aprovado (expressa ou tacitamente).
Certamente, a aprovação em 20 ou 180 dias é desejável. Quem sou eu para dizer o contrário. Contudo, algumas reflexões são necessárias. Em primeiro lugar, repito as palavras do excelente comentário do economista João Paulo Leal (artigo neste mesmo Suplemento): o projeto não prevê um prazo máximo inferior ao prazo médio verificado atualmente. Em outras palavras, não há muita novidade, mas apenas se estabelece uma obrigação perigosa de aprovação tácita, que pode autorizar muitos atos que mereceriam uma decisão final. É certo que a Lei n. 8.884/94 já traz o prazo, mas não ocorre a aprovação tácita (embora haja precedente judicial sobre o assunto).
Preocupa-me não somente os casos complexos, mas também alguns simples. A divisão das águas já acontece hoje, com a eleição dos casos sumários, mas deixa passar – ou quase deixa passar, o que aconteceria se não existissem o terceiro interessado e a impugnação – atos que de simples não têm nada. E isso não tem nada a ver com a competência dos que fazem este julgamento, mas sim com o enorme volume de casos que são submetidos à análise destas pessoas, volume que não parece ser reduzido pelo Projeto de Lei.
Também não estou propondo que se mantenha o sistema de notificação a posteriori. A maioria das jurisdições do mundo adota o sistema de notificação prévia e parece fazer o que é certo. Contudo, estas jurisdições trabalham com, no mínimo, o dobro de funcionários que hoje são alocados à defesa da concorrência no Brasil.
Em 3 de maio de 2005, ou seja, há exatos cinco anos, publiquei uma opinião no Jornal Valor Econômico, na qual enfatizei a necessidade de discutir se existiam as condições mínimas necessárias para fazer com que o novo modelo da defesa da concorrência fosse eficiente, tais como a disponibilidade de recursos financeiros e um corpo técnico experiente capaz de analisar e julgar os processos com a celeridade que a estrutura de análise prévia pressupõe. Cinco anos depois, o Cade ainda sofre com a rotatividade de pessoal a cada troca de líderes e as queixas sobre a dificuldade de encontrar pessoal interessado são freqüentemente ouvidas.
Diante destas constatações, preocupa-me muito, como advogada e como consumidora, a qualidade destas análises contra o relógio e contra a falta de pessoal. Concordo com o Senhor Ministro quando ele diz que perdemos desenvolvimento e divisas ao sermos burocráticos, mas me pergunto se não perdemos mais ainda, como eu disse em 2005, antecipando a safra se não temos máquinas para a colheita.
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* Diretora de Publicações do IBRAC e sócia de Grinberg, Cordovil e Barros Advogados. Artigo originalmente publicado em IBRAC. Suplemento Eletrônico da Revista do IBRAC. Ano I, nº 2, 2010.
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