Foi divulgado o Peer Review of Competition Law and Policy in Brazil de 2010. Trata-se de uma avaliação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em conjunto com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (IDB).
O estudo foi publicado em português e inglês e pode ser "baixado" na íntegra (o link encontra-se ao final desse comentário). Previno que são umas 90 páginas. Obviamente eu as li, com toda a atenção, uma a uma, mas, para poupar meus poucos, mas queridos leitores, passo direto às "conclusões e recomendações" (na medida do possível, uso as palavras do estudo, mas deixo de colocar as citações entre aspas para facilitar minha vida).
Pontos Fortes e FracosO estudo destaca duas realizações do SBDC: o programa de combate aos cartéis e o procedimento sumário de análise de atos de concentração.
Praticamente inexistente em 2000, o SBDC, especialmente a SDE, deu grandes passos no desenvolvimento de suas aptidões de investigação de cartéis; a autoridade faz uso pleno das ferramentas à sua disposição - buscas e apreensões, programa de leniência e técnicas judiciais computadorizadas. Na América Latina, o Brasil é visto como líder no combate a cartéis, e seus vizinhos consultam-no regularmente nessa matéria.
O procedimento sumário de análise de atos de concentração aplica-se atualmente a 90% dos casos, o que permite reduzir o tempo médio até a aprovação de casos considerados simples, como também pavimentar o caminho para a notificação prévia de atos de concentração. A maior parte da comunidade empresarial apoia a notificação prévia de atos de concentração (com a ressalva de que sejam conferidos ao SBDC recursos adicionais suficientes para operá-la de forma eficiente), mas este apoio provavelmente não existiria se o SBDC não tivesse demonstrado que pode processar os atos de concentração rapidamente.
Entretanto, o SBDC continua enfrentando diversos problemas. O principal deles refere-se ao índice elevado de rotatividade de pessoal. No CADE, o problema foi considerado particularmente grave e atribuído à curta duração dos mandatos dos conselheiros e à inexistência de funcionários de carreira do próprio CADE. O problema desta rotatividade é exacerbado pelo fato de o SBDC, como um todo, dispor de um número reduzido de funcionários.
A rotatividade e a falta crônica de recursos humanos são associadas, mais especificamente, à demora ocorrida na investigação e julgamento de condutas anticompetitivas. No âmbito dos atos de concentração, lamenta-se a ausência do sistema de notificação prévia.
A revisão judicial dos casos de defesa da concorrência emergiu como uma questão importante para o SBDC. Muitas das decisões do CADE impondo sanções ou remédios foram objeto de recursos junto aos tribunais, cujo resultado é frustrar a implementação das decisões. O CADE tem adotado uma postura mais pró-ativa no Judiciário nos últimos anos com a obtenção de certo sucesso, especialmente na cobrança de multas, mas há limites ao que o SBDC pode fazer por si só.
Recomendações
A promulgação do projeto de lei que trata da reformulação do SBDC é a principal recomendação, pois traria, entre outros pontos positivos:
- A consolidação das funções do SBDC no "novo CADE" (essa expressão é minha) eliminaria ineficiências que ainda decorrem da separação da SEAE, SDE e CADE, também associada à falta de comunicação entre eles.
- A criação de cargos de carreira e o provimento de recursos adequados para contratar e reter número suficiente de profissionais qualificados (comentário meu: faz-se referência aos 200 cargos permanentes previstos no projeto de lei, embora condicionados às disponibilidade orçamentárias de praxe).
- A ampliação do mandato dos conselheiros (dos atuais dois mais dois anos para quatro anos sem direito a recondução).
- A introdução do sistema de notificação prévia de atos de concentração, pelo qual as empresas passam a notificar a operação ao CADE e a aguardar a decisão final para que possam consumá-la.
O estudo menciona no tópico em questão a eliminação, no projeto de lei, da notificação de transações em que não haja fusão. Confesso que não entendi.
O estudo recomenda, também, a promulgação do projeto de lei que estende ao sistema financeiro a legislação específica de defesa da concorrência. Tem existido uma disputa entre o CADE e o Banco Central sobre qual agência teria competência para supervisionar os atos de concentração no setor financeiro. O projeto de lei existente, que recebe o apoio do Banco Central, inclusive, concederá competência exclusiva a este para a revisão de atos de concentração em que haja risco sistêmico à estabilidade do sistema financeiro, enquanto ambas as agências irão compartilhar a competência sobre todas as demais concentrações no setor financeiro.
Outras recomendações:
- Aprimorar a comunicação e a coordenação entre o SBDC e os Ministérios Públicos Estadual e Federal. O processo criminal é um componente importante do programa brasileiro de combate a cartéis. Ações dessa natureza são conduzidas pelo Ministério Público e não pelo SBDC e os promotores têm o poder de instaurar casos de forma independente em relação ao SBDC. Os promotores geralmente consultam o SBDC nos casos por eles iniciados, mas não possuem a obrigatoriedade de fazê-lo. Seria útil colocar em funcionamento um programa que estabelecesse esta consulta ao SBDC antes de iniciar um caso que também consista em infração à Lei de Defesa da Concorrência. Essa coordenação ajudaria a impedir a instauração de casos indevidos, incluindo aqueles que possam não ser apropriados para a instauração de processo criminal ou aqueles que possam não ser sustentáveis de acordo com princípios relevantes de defesa da concorrência.
- Continuar a buscar uma atuação mais eficaz junto aos tribunais. Infelizmente, os atrasos inerentes aos processos judiciais, um problema básico, encontram-se fora do controle do SBDC. Diante dessa questão, o SBDC respondeu que o CADE tem estado em contato com a Associação dos Juízes Federais do Brasil para avaliar a viabilidade desta proposta. A resposta dos juízes foi que o número de casos de defesa da concorrência é muito pequeno para justificar juízos especializados. Deve, ainda, ser observado que, uma vez que todos os recursos contra as decisões do CADE são propostos junto ao tribunal de primeira instância do Distrito Federal, esse tribunal, com o tempo, tornar-se-á mais familiarizado com esses casos.
- Utilizar melhor os acordos em atos de concentração e processos administrativos para implementar decisões e evitar recursos judiciais. Os procedimentos para que sejam firmados acordos em casos de conduta e de atos de concentração existem, e o CADE começou a utilizá-los com mais frequência. Uma clara advertência para qualquer esforço para o estabelecimento de acordos é que a autoridade não deve firmá-los por muito pouco. Em longo prazo, tal prática terá um impacto negativo acentuado na implementação da lei.
Há tempos noto que o Projeto de Lei tem sido considerado por muitos como a tábua de salvação para todos os problemas que o SBDC vem colecionando com o tempo. Sou contra. A lei está aí para ser aplicada e as falhas tem sido corrigidas por meio de legislação complementar e jurisprudência. É claro que há desastres pelo caminho (como a péssima súmula 2, por exemplo), mas com erros e acertos avançamos. E no meio desse avanço, ainda que lento, o Projeto de Lei não ajuda a acelerar...
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