quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O muro

Vitor Martins Dias deixou um comentário sobre o post "Copo meio cheio ou meio vazio?", o qual reproduzo:
"Gostaria primeiro de parabenizar o blog, o qual venho acompanhando há algum tempo e venho agora postar a primeira opinião.
Eu não vejo a situação descrita necessariamente como uma vitória dos Órgãos antitruste, o que, talvez, me tornasse um pessimista no sentido do texto.
Acredito que a vitória não só do Firefox, mas atualmente também do Chrome, se dá em grande parte pelo grau de competitividade que a indústria de softwares como mercado alcançou. A seletividade de players eficientes creio que se dê pela escolha de programas, como os referidos navegadores.
Isto posto, o mercado alcançou um grau de seleção pelos usuários pelo próprio funcionamento do software e não mais somente pelo sistema operacional, o que talvez me torne um otimista pelo amadurecimento do próprio mercado.
Acontece que eu parto da premissa de que para um desenvolvimento adequado do mercado é necessário que existam meios para tanto, sendo um deles a defesa da concorrência, a qual busca manter um nível de equilíbrio de mercado.
Tomo como base a idéia de que mercados perfeitamente competitivos existem basicamente no plano teórico, porém estes devem ser o escopo de um mercado no plano real, devendo as autoridades antitruste trabalharem para tanto. Parto assim de uma visão de "trabalho" conjunto entre defesa da concorrência e bom funcionamento para o desenvolvimento do mercado.
Assim sendo, lanço a seguinte pergunta: como uma visão otimista do bom funcionamento do mercado pode estar relacionado com um olhar pessimista sobre a defesa da concorrência?

Prezado Vitor, antes de tudo, obrigado pelo comentário. Seja bem-vindo.

Entre os "pessimistas" e os "otimistas" existe um muro, no qual tomo assento. Por quê?

Na origem da defesa da concorrência encontrava-se o chamado "modelo" de estrutura-conduta-desempenho (que depois foi desvirtuado pela análise marginalista... mas isso é outro assunto). A estrutura dos mercados - elementos técnicos associados ao processo produtivo ou às características do produto, por exemplo - condicionaria as condutas passíveis de serem adotadas pela empresa e, assim, o desempenho delas e do mercado como um todo.

Como a defesa da concorrência deve lidar com mercados cujas estruturas não estão definidas ao certo, mas em construção, por exemplo, pela rápida introdução de novas tecnologias? Acima de tudo com cautela e humildade.

Note que os horizontes temporais da "concorrência do antitruste" e da "concorrência das empresas" não necessariamente ou, é mais provável, dificilmente coincidem. Talvez, lá no início, tenha havido cautela demais com a Microsoft e lá se foi o Netscape pra cucuia. E hoje? A investigação da Comissão Europeia contra o empacotamento do Internet Explorer no Windows é de 2009!
(A Mozilla acabou de liberar para download o beta 2 do Firefox 3.6. O Google já lançou o Chrome 4. Já não é uma insanidade dizer que o próprio onipresente Windows pode vir a ser ameaçado pelo Chrome OS, sem falar nos sistemas operacionais baseados no Linux, como o sempre elogiado Ubuntu.)
Damien Geradin publicou no mês passado artigo bastante ácido sobre a investigação contra a Intel iniciada pela mesma Comissão Europeia. Forçando a mão, dá para inserir esse caso e o artigo nesse contexto.

Investigação contra a Intel iniciada em 2009? (esse ponto é meu)

Abuso de posição dominante quando a relação desempenho/custo dos processadores não para de melhorar há décadas? (esse ponto é do Geradin)
(Tem a chamada Lei de Moore, ou seja, do presidente da Intel, Gordon E. Moore, que em 1965 disse que a cada 18 meses dobraria o número de transístores nos chips sem custo adicional e parece que a profecia foi realmente observada!)
Enfim, não sou Autoridade, não decido nada, posso me postar confortavelmente sobre o muro...

Um comentário:

  1. Vitor Martins Dias - Advogado - Aluno do Curso de Especialização de Direito Econômico da FGV/SP (Gvlaw)novembro 11, 2009

    Olá João Paulo!
    Acho que entendi o seu ponto, o qual acredito que resida no limiar de inovação e intervenção antitruste. Uma discussão no mínimo interessante e longa, a qual estou abordando parcialmente em um trabalho sobre regulação do mercado dos derivativos financeiros justamente sob a ótica inovativa destes instrumentos.
    Uma vez, no meu curso de especialização, tivemos uma discussão acerca de inovação e defesa da concorrência, na qual eu formulei mais ou menos a seguinte indagação: "Tendo em vista o conceito de concorrência dinâmica, o papel da autoridade antitruste está em adequar o funcionamento do mercado ao processo de destruição criadora?"
    Ao olhar o mercado dos navegadores a partir do seu aspecto inovativo, também vejo que podem surgir problemas que oriundos intervenção antitruste em um mercado altamente inovador e de alta competitividade. Posso estar enganado, mas acredito que a estrutura do mercado de software já alcançou um nível de funcionamento e de eficiência (entenda-se aqui a seleção feita pelo próprio mercado) que, neste caso, realmente deva ser analisado com bastante cuidado pelos responsáveis da defesa da concorrência.
    A partir disto, vou tentar adequar o meu comentário anterior ao funcionamento dinâmico do mercado da seguinte maneira: a concorrência do antitruste deve agir de maneira à facilitar (agilizar, por que não?) a concorrência das empresas, a partir do conceito schumpeteriano de destruição criadora inerente ao funcionamento do mercado e ao capitalismo.
    Sendo assim, discutir abuso de posição dominante em um mercado em que há a cada dia novas versões de software, funcionando de maneira a conquistar market share daquele que teria posição dominante só por já existir no sistema operacional realmente é algo que se deva ter bastante cuidado. Isso se dá porque, ao invés de a autoridade antitruste auxiliar um processo do capitalismo (destruição criadora), ela pode, ao contrário, vir a contribuir com perdas consideráveis para um dos principais players deste mercado.
    Isto posto, também tomo assento sobre o muro, de modo a acompanhar tanto a concorrência antitruste, como a concorrência do mercado, fazendo uso das inovações desta última.

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