quinta-feira, 19 de março de 2009

Controle Prévio de Atos de Concentração



Introdução.

Encontra-se no Senado, após aprovação pela Câmara dos Deputados, projeto de reforma do chamado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). Ao que parece, a "novela" deve terminar esse ano!

Entre outras mudanças importantes, o projeto estabelece o controle prévio de atos de concentração: as empresas não poderão concluir a operação pretendida até sua aprovação pelo Cade.

É comum ouvir que o sistema de controle prévio incentiva a celeridade: as empresas deixariam de adotar postura protelatória, apostando no "fato consumado". Discordo. Primeiro porque há remédio (multa) para o caso de retardamento injustificado na apresentação de informações solicitadas. Segundo porque as empresas não se sentem confortáveis para ir "tocando a vida", com a operação já consumada, enquanto aguardam decisão do Cade. O período, em operações ditas complexas, de 2 ou mesmo 3 anos é muito dilatado e, afinal, a decisão pode ser contrária. Esse é o ponto principal da minha discordância: a tese do "empurrar com a barriga" nega que o Cade, apesar do tempo transcorrido, toma uma decisão técnica, em que o ônus do desfazimento da operação recai sobre as empresas envolvidas e ponto.

A defesa do controle prévio deve assentar-se sobre um único ponto: se há risco para a concorrência, a operação não pode ser consumada, pois a partir desse momento a concorrência está em risco (com perdão da redundância).

Prazo de análise.

O projeto estabelece que o prazo para a decisão do Cade é de 240 dias (extensível por mais 90 dias em caso de decisão fundamentada do Cade). Total? 330 dias.

Independentemente de esse período ser aceitável ou não (a situação da empresa vendida pode exigir investimentos imediatos, por exemplo), ele é exequível?

Recorro ao "Cade em Números" (o link encontra-se na página inicial do Cade), em que consta que o tempo médio de tramitação de atos de concentração no SBDC foi de 165 dias em 2008 e de 232 dias em 2009, porém há claramente acentuada variação no tempo de tramitação dos casos simples (73% deles são apreciados em rito sumário) e dos casos complexos, cuja tramitação, não raro, supera 2 anos ou mesmo 3 anos. O desvio padrão do tempo médio de tramitação, conforme informado pelo Cade em Números, foi de 221 dias em 2008 e de 532 dias em 2009.

Ou seja, a notícia boa é que os 240 dias (ou 330 dias) previstos no projeto reduzem consideravelmente o tempo de tramitação atual dos casos considerados complexos. A notícia ruim é que deverá haver um esforço considerável para que o prazo previsto seja respeitado. Que outras mudanças tornam-no viável?

Critério de notificação.

Devem ser notificados de acordo com o projeto atos de concentração em que pelo menos um dos grupos envolvidos tenha faturamento no país superior a R$ 400 milhões e em que pelo menos um outro grupo tenha faturamento no país superior a $ 30 milhões.

Foi abandonado, muito acertadamente, o critério subjetivo de participação no mercado relevante, embora seja subjetiva a definição de "grupo econômico" das partes envolvidas. Principalmente, parece-me que a "malha" do critério de notificação continua do mesmo tamanho.

Órgãos envolvidos.

A situação atual, em resumo, é a seguinte: SEAE/SDE fazem a instrução conjunta dos atos de concentração, mediante a emissão de um parecer não vinculativo para apreciação pelo plenário do Cade, a quem cabe a decisão final.

O projeto cria a Superintendência-Geral e o Departamento de Estudos Econômicos, que, grosso modo, aglutinam as funções da SEAE/SDE. O Cade, tal qual o conhecemos, mantém as mesmas funções e composição (apenas o mandato dos conselheiros foi ampliado para 4 anos, vedada a recondução).

SEAE e SDE obtiveram ganho expressivo de eficiência quando instituíram a instrução conjunta (antes tínhamos pareceres consecutivos e não necessariamente convergentes, o que resultava em maior tempo de análise obviamente, além de grande incerteza). Em virtude disso, parece-me que o projeto, sob esse aspecto organizacional, não levará à redução adicional do tempo de instrução.

Tramitação.

Aqueles 240 dias subdividem-se em vários prazos.

a) 5 dias úteis para que a Superintendência-Geral (SG) informe se a notificação da operação atende ou não aos requisitos exigidos e, caso contrário, será dado prazo de 10 dias úteis para que as requerentes emendem-na;

b) 20 dias úteis contados da notificação ou de sua emenda para que a SG determine a necessidade ou não de instrução complementar (mais informações);

c) 5 dias úteis após o cumprimento da instrução complementar para que a SG informe se se dá por satisfeita ou se a instrução de ser refeita, por incompleta;

d) até 50 dias úteis contados da notificação ou emenda para que a SG declare a operação complexa e determine instrução complementar (entendo que adicional à prevista no item "b"), que deverá estar concluída em até 90 dias úteis contados da notificação ou emenda;

e) não havendo a declaração da operação como complexa, em até 60 dias úteis contados da notificação ou emenda a SG deve proferir sua decisão;

f) casos complexos serão decididos pela SG em até 10 dias úteis, uma vez finda a instrução complementar (90 dias úteis contados da notificação ou emenda, totalizando, portanto, 100 dias úteis);

g) no âmbito do Cade/Tribunal, as requerentes dispõem de 30 dias úteis para se manifestarem em caso de decisão desfavorável da SG;

h) em até 20 dias úteis contados dessa manifestação, o conselheiro-relator deve colocar o processo em julgamento ou determinar nova instrução complementar pela SG;

(Obs.: o prazo para conclusão dessa instrução não é estipulado no projeto.)

i) "se entender concluída a nova instrução", o relator tem até 30 dias úteis para colocar o caso em julgamento.

(Obs.: e se o relator entender que a nova instrução carece de algo?)

Recursos humanos.

De acordo com o art. 122, são criados 200 cargos de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, "a serem providos gradualmente, observados os limites e a autorização específica da lei de diretrizes orçamentárias".

Conclusão.

A organização do SBDC estabelecida no projeto não difere substancialmente da existente, tampouco traz mudança considerável no critério de notificação de atos de concentração. Tendo em vista o atual período para instrução e análise de atos de concentração, parece-me que deve haver um esforço significativo para adequação aos prazos previstos no projeto e, para tanto, é indispensável dotar o "novo Cade" de recursos humanos, principalmente.

Um comentário:

  1. Marilda Moreira Marildam@anatel.gov.brabril 01, 2009

    João Paulo,
    Bom dia!
    Aproveito esta mensagem para dar uma contribuição para a aceleração do julgamento dos processos do Cade.
    Considero importante fazer constar do projeto textos estabelecendo que dentre as empresas ou grupo de empresas obrigadas a submeter a operação ao Cade, aplica-se o que segue:

    1) aquelas empresas ou grupo de empresas com Poder de Mercado Significativo (PMS), cujo conceito deve ser também incluído no projeto, não poderão concluir a operação pretendida até sua aprovação pelo Cade, liberando-se as demais da aprovação prévia do Cade que sejam enquadradas no rito sumário e faturamento mínimo, e
    2) o Cade terá que decidir, ou seja, aprovar ou não aprovar a operação submetida pelas empresas com PMS no prazo máximo de 165 dias, extensível por mais 30 dias em caso de decisão fundamentada.

    Um abraço,

    Marilda Moreira
    Anatel
    Fone: (61) 2312-2007

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