quarta-feira, 18 de março de 2009

Negociação em atos de concentração: + velozes + efetivas + eficientes



Autor: Aurélio Marchini Santos (asantos@levysalomao.com.br)

Não há, atualmente, um procedimento claro para negociação de restrições à aprovação de atos de concentração. Em geral, as tratativas a esse respeito ocorrem de forma assistemática, sem parâmetros prefixados, em fase adiantada da análise. Frequentemente, iniciam-se apenas quando já se aproxima o julgamento e há pareceres de órgãos instrutores (i.e. SEAE e SDE) desaconselhando a aprovação do ato pelo Cade. A alteração desse quadro seria muito benéfica, pois soluções consensuais seriam capazes de produzir resultados superiores para a coletividade – em termos de celeridade, efetividade e eficiência – em comparação com decisões impositivas.

Atualmente, operações resultantes em concentração econômica (e.g. fusões, aquisições, joint ventures etc.) são sujeitas à aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) somente após a sua realização. Se geradoras de elevados níveis de concentração, podem ser reprovadas ou aprovadas com restrições. As restrições podem consistir na determinação de alienação de ativos ou na imposição de obrigações comportamentais que atenuem os efeitos adversos sobre a concorrência. Podem ser determinadas unilateralmente pelo Cade ou fixadas mediante negociação com as empresas envolvidas, por meio de termo de compromisso de desempenho (TCD). 

A análise de operações complexas pelas autoridades concorrenciais costuma consumir em média de quinze a vinte meses. Em caso de imposição de restrições, ainda sucedem-se habitualmente questionamentos judiciais, o que posterga o desfecho definitivo do ato de concentração em vários anos. Enquanto isso não ocorre, perduram riscos para a concorrência e elevada onerosidade para as requerentes. A adoção de medidas cautelares e a celebração de acordos para preservação da reversibilidade da operação (APROs) para obstar a consumação da concentração econômica, iniciativas adotadas com frequência pelas autoridades concorrenciais, têm efetividade limitada. Isto porque é inevitável a diminuição dos incentivos para concorrência entre as partes após a realização da operação. Em todo caso, ao se proibir cautelarmente ou por meio de APRO a implementação da operação, são adiados investimentos e a realização das eficiências do ato, impondo-se custos significativos às requerentes.

Assim, não são poucos os benefícios potenciais de soluções negociadas, desde que concluídas logo no início da análise dos atos de concentração.

Além do ganho em celeridade, os TCDs tendem a ser mais efetivos que decisões impositivas, ao afastar, em princípio, futuros questionamentos judiciais e induzir maior adesão dos requerentes à decisão. Tendem a evitar onerosidade desnecessária às requerentes. Permitem melhor preservar eficiências geradas pelas operações, em favor do bem-estar econômico geral. Isto porque as tratativas envolvidas no TCD aumentam a compreensão das partes acerca das posições opostas e conduzem a resultado, no mínimo, melhor informado, ainda quando não ideal.

Se são tão palpáveis as vantagens da via consensual, por que os acordos não ocorrem sempre dessa forma? Ora, o primeiro passo a ser dado nessa direção exigiria justamente superar as causas da inércia dos envolvidos. A tarefa não é trivial diante da assimetria de informação entre autoridades e particulares quanto à identificação dos problemas concorrenciais decorrentes da operação e às concessões necessárias para se alcançar um entendimento.

Mesmo em operações complexas, uma sinalização preliminar negativa por parte das autoridades nem sempre redunda em julgamentos restritivos: pode estar baseada em conhecimento superficial do caso e não ser uníssona entre os órgãos responsáveis pela análise (SEAE e SDE) e o Cade. Logo, não se justifica que as empresas se prontifiquem a oferecer “remédios”. Aliás, nesse estágio inicial, qualquer iniciativa dessa natureza por parte das requerentes é evitada, por poder ser entendida como um reconhecimento tácito da necessidade de imposição de restrições à operação. 

Diante desse quadro, fazemos algumas sugestões práticas e sintéticas de como suplantar os obstáculos identificados. 

Em primeiro lugar, é fundamental que parta do Cade, com a maior brevidade possível, a indicação motivada das preocupações geradas pela operação e a definição de pontos a serem esclarecidos para investigar a sua procedência, analogamente ao statement of objection previsto no procedimento de revisão de atos de concentração da Comissão Europeia. Segundo, a proposta de TCD deve poder ser apresentada diretamente para o Cade. A participação direta do Conselho é indispensável por ser o órgão decisório, com competência para, em última instância, julgar e aceitar a proposta. 

Além disso, a proposta de TCD deve poder tramitar em sigilo e sua apresentação não deve representar reconhecimento pelo administrado de inviabilidade de aprovação da operação sem restrições. Após a sua apresentação e uma vez percorridas as verificações eventualmente consideradas necessárias pelo Cade, deve ser emitido relatório motivado e aprovado pelo plenário do Conselho com a avaliação da proposta e indicação explícita dos aperfeiçoamentos entendidos necessários para sua aceitação. 

Quanto aos parâmetros de negociação, devem ser divulgados padrões gerais de negociação para esses acordos, os quais devem afastar exigências excessivas ou impertinentes. Como princípio, os remédios a ser cogitados devem ser bem calibrados e deve ser vedada a ampliação do escopo da negociação para além do objeto da operação. Além disso, as restrições devem sempre guardar relação direta e próxima aos efeitos negativos específicos da operação. Por fim, deve-se fixar a diretiva de preservar ao máximo as eficiências visadas pela operação.

Essas considerações não perdem sentido na hipótese de o controle de atos de concentração passar a ser prévio como previsto em projeto de lei atualmente em trâmite no Senado. Evidentemente, nesse cenário, o procedimento de negociação ora sugerido deveria sofrer adaptações. No entanto, a capacidade de encontrar rapidamente soluções de consenso passará a ser ainda mais valiosa para todos os envolvidos.

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