segunda-feira, 11 de junho de 2007

Entrevista

Em homenagem a Lei 8.884/94, que hoje faz aniversário, cinco dos maiores especialistas em defesa da concorrência fazem suas reflexões sobre a proposta de mudança do regime de controle de atos de concentração. Agradeço-os pela simpatia.

Para aqueles menos familiarizados com o tema, o controle de aquisições e fusões atualmente é exercido a posteriori, ou seja, como regra geral, as empresas têm liberdade para dispor dos ativos enquanto aguardam a decisão do Cade. Porém, encontra-se no Congresso projeto que introduz o controle prévio de atos de concentração. As empresas não poderiam formalizar atos societários, por exemplo, que levassem a termo a aquisição ou a fusão, enquanto não houvesse a decisão do Cade. De acordo com as informações disponíveis, esse prazo poderia se estender a até 180 dias.

Nossos especialistas responderam especificamente à seguinte pergunta:
Na sua opinião, essa mudança é positiva? O chamado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) está preparado para ela?

Aurélio Marchini Santos (Levy e Salomão Advogados)
:
Em teoria, o controle prévio de atos de concentração é positivo, sobretudo por reduzir substancialmente os riscos de danos ao mercado enquanto não há decisão final do CADE sobre uma determinada operação. A sistemática de controle prévio também cria incentivos positivos para os particulares realizarem avaliação anterior à conclusão da operação dos efeitos concorrenciais - podendo tentar minimizá-los desde a origem - e cooperarem intensamente com as autoridades para o convencimento sobre as condições de aprovação de um determinado ato - visto que não podem concluí-lo antes da aprovação concorrencial. A introdução dessa sistemática simultaneamente à alteração profunda do CADE e da própria obrigação de comunicação de atos de concentração prevista no mesmo projeto de lei embute riscos substanciais de ser predominantemente negativa. Não é possível saber se o CADE resultante terá condições, materiais e humanas, de se desincumbir dessa função em tempo razoável, criando risco de atrasos ou mesmo de deterioração da qualidade das análises e decisões. Como qualquer mudança profunda, a instituição de controle prévio exigirá também um período longo de aprendizado. Se realmente implementada a reforma proposta pelo Executivo, seria fundamental adiar a entrada em vigor do controle prévio de atos de concentração para um momento em que o CADE estiver novamente estruturado e devidamente aparelhado.

Gianni Nunes de Araujo (Franceschini e Miranda Advogados):
Sim, na minha opinião a notificação prévia de Atos de Concentração é positiva, principal e logicamente porque afasta a possibilidade de negativa tardia pelo órgão concorrencial, ou seja, de determinação de desinvestimento muito tempo após a assunção efetiva do negócio pelo adquirente. Ademais, tal exigência, obriga as partes (principalmente, ao órgão público) a aperfeiçoarem a instrução e apreciação do Ato. Por outro lado, o SBDC não está hoje preparado para a notificação prévia, pois não há (i) suficiente pessoal treinado e habilitado para tanto, (ii) normas regulamentando a partir (ou na expectativa) de quais fatos ou atos deve se dar a notificação prévia, bem como (iii) um sistema inteligente de informação entre os órgãos que o compõem ou mesmo (iv) um banco de dados confidencial das empresas/setor, para colaborar na apreciação.

Lauro Celidonio Gomes dos Reis Neto (Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados):
Sou contrário ao controle prévio de atos de concentração na forma proposta no atual Projeto de Lei em discussão no Congresso Nacional. Para ser efetivo e eficiente o controle prévio demanda não só estrutura e aparelhamento dos órgãos públicos competentes, mas também mudança na nossa cultura jurídica, para abrirmos mão de intervenções e controles “de terceiros” dos atos de concentração em análise. Do Projeto de Lei constam diversas possibilidades de intervenção no processo pelo Tribunal Administrativo, Ministério Público, SEAE, terceiros interessados etc. Na sistemática dos procedimentos proposta, e de tradição no direito brasileiro, não haverá processo administrativo suficientemente ágil que garanta ao agente econômico análise competente, ágil e prévia de um ato de concentração que apresente um mínimo de complexidade, ou cujo mercado seja desconhecido para as autoridades. E aqui mais uma dificuldade – não teremos estudos e análises de mercado suficientes e atualizadas que permitam aos agentes públicos avaliar as informações trazidas pelos requerentes do ato, e a conseqüência fatal será o pedido de mais informações, ou o decurso de prazo. A análise prévia deveria vir acompanhada de garantia de aprovação automática da aprovação por decurso de prazo, sem possibilidades de intervenção de terceiros, e com autorização expressa para que o agente público deixe transcorrer o prazo sem ameaças de punições - exatamente o contrário do que consta no Projeto de Lei, ao menos da última versão que li. Sejamos realistas: não vamos abrir mão de intervir em processos administrativos, da publicidade dos atos administrativos, dos recursos administrativos, da intervenção do Ministério Publico, de nos cercarmos, enfim, de possibilidades de revisão, avocação de processos, enfim, do controle sobre o agente público que irá decidir. O Projeto de Lei em discussão, e a complexidade dos procedimentos, é a demonstração disso. Por outro lado, não acredito no correto e tempestivo aparelhamento dos órgãos públicos, na necessária contratação e formação dos técnicos, ainda que previstos em lei. Basta ver a situação geral da Administração Pública – verbas contingenciadas, salários baixos, cargos vagos etc. E sem uma burocracia competente e recursos suficientes, a sistemática de controle prévio será apenas mais um empecilho à realização de negócios no já complexo sistema legal brasileiro.

Sérgio Varella Bruna (Lobo & De Rizzo Advogados):
O regime de notificação prévia pode ser positivo ou desastroso, dependendo de como vier a ser implantado. A rigor, um sistema prévio contribuiria para a eficácia das decisões do CADE, pois a experiência recente tem demonstrado que as decisões do órgão, quando contrárias às operações, podem ser questionadas na justiça, prolongando-se a discussão por um longo período. Nessas circunstâncias, o controle de atos de concentração não atende aos fins para os quais foi instituído. Por outro lado, se houver controle prévio sem um sistema de aprovação tácita efetivo, muitas operações poderão ficar aguardando decisão das autoridades para que possam ser concluídas, o que seria um mal maior do que termos um sistema de controle ineficaz. Não acredito que o SBDC conte com os recursos necessários à instituição do controle prévio. O que é pior, há risco de que a discussão do projeto de lei se dê de modo desvinculado daquela relativa à entrega dos recursos ao Sistema, correndo-se o risco de criação do controle prévio antes de que sejam dados aos órgãos recursos suficientes. Por isso, acho que a entrada em vigor do regime, se adotado, deveria ser condicionada a algum critério objetivo relacionado à entrega efetiva dos meios necessários ao exercício do controle prévio. Por exemplo, o sistema somente poderia entrar em vigor alguns meses após o provimento dos cargos que seriam criados no CADE, conforme o texto do projeto hoje em discussão no Congresso. É importante levar ao Congresso as preocupações da sociedade civil, pois há risco de que a emenda acabe saindo pior do que o soneto.

Tito Amaral de Andrade (Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados):
Do ponto de vista conceitual sou amplamente favorável ao sistema de notificação prévia pois entendo que é a maneira mais adequada de se fazer o controle estrutural em Atos de Concentração. Acredito que o nosso sistema atual não atende de forma eficiente a análise das operações mais complexas, ou seja, exatamente as mais suscetíveis de gerar algum impacto negativo na concorrência. A profusão de APROs* nos últimos anos é uma prova cabal da inadequação do atual sistema.
Por outro lado, acredito que o SBDC não está preparado e não dispõe da agilidade que esta forma de análise demanda. Em outras palavras, entendo que deveríamos vincular a entrada em vigor do novo sistema a duas condições prévias: (i) existência de recursos para o SBDC de forma que haja uma estrutura minimamente capaz de atender o fluxo de operações (ii) treinamento adequado de todo o pessoal. Caso contrário poderemos viver o pior dos dois mundos.

* Acordo de Previsão de Reversibilidade da Operação. No atual sistema, como regra, as empresas têm liberdade para gerir seus negócios após a notificação do Ato de Concentração, a menos que seja celebrado um APRO, isto é, um acordo com o Cade, prevendo certas limitações àquele direito. Os APROs têm sido celebrados em Atos de Concentração considerados complexos (nota do editor).

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