quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Avanços na Defesa da Concorrência no Brasil(*)

A defesa da concorrência no Brasil passou por transformações importantes, e para melhor, sem dúvida, no período 2003-2006. Sem olvidar a importante contribuição de todos os demais participantes do Sistema (Cade, Seae, ProCade e Ministério Público), atenho-me à atuação da Secretaria de Direito Econômico (SDE)(1) .

Nesse período, promoveu-se uma mudança de orientação de seu eixo de atuação, com ênfase na área repressiva, em especial no combate aos cartéis. Não se tratou apenas de alocar mais recursos, humanos e materiais, às investigações dessa prática, o que se refletiu no aumento da proporção desses casos no total de processos administrativos remetidos pela SDE ao Cade. Entre janeiro de 2003 e maio de 2006, foram instruídos 120 processos administrativos, dos quais 40% versavam sobre cartéis.

A nova orientação pôde ser sentida de forma contundente pela operacionalização de novos instrumentos de investigação. A SDE, com a intermediação da Advocacia-Geral da União, passou a requerer ao Poder Judiciário a expedição de mandato de busca e apreensão, o que abriu um novo front para produção de provas. De outra parte, foi instituído o Centro de Métodos Quantitativos, cuja atribuição principal é a aplicação modelos econômicos e econométricos na análise de processos administrativos e, também, de atos de concentração, subsidiando a tomada de decisão pela SDE.

Complementou o reforço do combate aos cartéis a viabilização dos chamados Acordos de Leniência. À medida que os envolvidos nessa prática, pessoas físicas ou jurídicas, têm a percepção de um risco maior de punição, aumenta o incentivo para que contribuam com as investigações em troca de vantagens, como a diminuição das sanções administrativa e penal.

O Secretário de Direito Econômico, Daniel Goldberg, em matéria publicada no Valor Econômico de 26 de dezembro de 2006, destacou que o desafio para os próximos anos na área será aprovar uma legislação que permita acordos com empresas acusadas de cartel, que possibilitem o encerramentos das investigações antes de seu término.

Sem dúvida, é uma questão importante e que deve ser analisada com cautela. Porém, a efetividade da repressão aos cartéis e às condutas ilícitas em geral passa, antes, pela redução do tempo de instrução dos processos administrativos, que, segundo a própria SDE, passou de 989 dias em 2002 para 2.337 dias em 2006 (até maio).

A necessidade ou a oportunidade para a celebração de acordos com empresas acusadas de cartel também está vinculada ao reforço da perspectiva de punibilidade dos envolvidos. Nos termos do Secretário, as empresas, quando condenadas, recorrem ao judiciário e, por meio de liminares, procrastinam o pagamento das multas, que podem chegar a até 30% do faturamento. É inevitável ponderar: o ingresso no judiciário é antes de tudo um direito, que não necessariamente objetiva adiar o pagamento da multa (infalibilidade diz respeito ao Papa e, mesmo assim, é restrita a certas matérias).

É certo que acordos dessa natureza servem ao propósito de tornar a punição efetiva e mais imediata. Porém, creio eu, a oportunidade para sua celebração deve ser determinada principalmente pelo grau de incerteza das partes envolvidas quanto ao resultado da investigação. O acordo não deve ser celebrado simplesmente para antecipar a punição às empresas. Da perspectiva da autoridade de defesa da concorrência, quanto maior a certeza quanto à sua capacidade de demonstrar cabalmente a culpa das empresas envolvidas, menor deve ser a disposição para a implementação do acordo.

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(*) Publicado em Fatos e Mensagens, vol. 7 (26), jan/fev de 2007, de Franceschini e Miranda Advogados.
(1) Tendo em vista, inclusive, o Relatório de Atividades – 2006 do Departamento de Proteção e Defesa Econômica (DPDE) da SDE.

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